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Sobre a venda dos terrenos de marinha

Escrito por em 05 fev, 2016

A Medida Provisória n. 691, de 2015, que foi convertida na Lei n. 13.240, de 30 Dezembro de 2015, alterou substancialmente a legislação que rege os bens da União.

A novel Lei, publicada no Diário Oficial da União em 31/12/2015, é demonstrativo da total falta de coerência que impera no Poder Executivo sobre a matéria, tendo em vista que a maioria das alterações por ela promovidas vão na contramão dos próprios vetos impostos pela Presidência da República aos artigos da também recente Lei n. 13.139/2015.

E, como dito, a falta de coerência não é do Poder Legislativo.

Críticas à parte, os contribuintes que possuem imóveis situados em terreno de marinha, inscritos como ocupantes ou foreiros no órgão da Secretaria do Patrimônio da União (SPU), finalmente estão livres do pagamento de laudêmio sobre as benfeitorias existentes no terreno, cobrança esta que sempre foi considerado injusta e já havia sido vetada pelo Código Civil de 2002 para os bens particulares e, a nosso ver, para certas categorias de bens pertencentes a outros sujeitos de direito público.

A exclusão das benfeitorias da cobrança de laudêmio não foi a única benesse introduzida pela Lei n. 13.240/2015. Há várias outras, como a redução da taxa de ocupação de 5% para 2% (no caso das ocupações inscritas a partir de 1/10/1988).

Entretanto, a imprensa tem divulgado de forma equivocada o “espírito” da referida lei.

O destaque que tem sido dado pela mídia é de que teria sido aprovado o “fim da taxa (sic) de laudêmio”, em razão de a lei, ainda segundo a imprensa, permitir, pura e simplesmente, a venda dos terrenos de marinha. Infelizmente, não é bem assim.

Em primeiro lugar, há de se observar a existência de mais de um regime jurídico em que o imóvel pode estar cadastrado perante a SPU. Há dois mais comuns: o regime de ocupação e o de aforamento.

Registre-se que nas cidades de Santos e São Vicente, no estado de São Paulo, por exemplo, a maioria dos prédios situados na orla da praia está cadastrado no regime de ocupação e uma pequena parte no regime de aforamento.

O terreno de marinha é compreendido por uma faixa de 33 metros que inicia na linha da preamar média de 1831 e segue em direção à terra, ou seja, para dentro do continente ou da ilha, a depender de sua localização. A União considera que os imóveis localizados na orla das praia de Santos e São Vicente (locais de nosso exemplo) estão situados, mesmo que parcialmente em alguns casos, dentro dessa faixa de 33 metros, daí por que são patrimônio da União e estão cadastrados em um dos regimes acima para uso particular, no órgão que os administra (SPU).

Pois bem, o parágrafo segundo do artigo primeiro da indigitada lei afirma que ela não se aplica aos imóveis da União situados na faixa de fronteira de que trata a Lei n. 6.634/1979, como não se aplica aos situados na faixa de segurança de que trata o parágrafo terceiro do artigo 49 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias (ADCT).

Vejamos o que diz exatamente o parágrafo terceiro do artigo 49 do ADCT: “A enfiteuse continuará sendo aplicada aos terrenos de marinha e seus acrescidos, situados na faixa de segurança, a partir da orla marítima”.

Muito bem, resta saber qual é o limite dessa faixa de segurança, tendo em vista que a lei não se aplica aos imóveis situados nela e, por consequência, impede a alienação dos bens.

Curiosamente, o parágrafo terceiro do artigo segundo da lei em testilha disciplina qual seria a extensão da faixa de segurança: “trinta metros a partir do final da praia”.

Note-se que o legislador cria uma “ficção” ao determinar a extensão da faixa de segurança apenas para os fins da lei. Obviamente que os “trinta metros” ultrapassam, em muito, os 33 metros contados a partir da linha da preamar média de 1831 (se o terreno estiver regularmente demarcado). Com isso, inviabiliza-se a alienação de grande parte dos imóveis situados na orla da praia de Santos e São Vicente (cidades citadas com exemplo).

Esse pequeno detalhe, conjuga-se com outro: a lei determina que os imóveis cadastrados no regime de ocupação poderão ser alienados ao ocupante inscrito no órgão da SPU pelo valor de mercado do terreno, concedendo-se desconto de 25%. Infere-se daí que somente o ocupante regularmente inscrito na SPU poderá optar pela compra ou não do imóvel, e mais, terá que comprar o imóvel pela segunda vez, tendo em vista já o ter “comprado” sem desconto algum, frise-se: pelo preço de mercado, a despeito de ter adquirido tão somente os direitos de ocupação (direitos sobre as benfeitorias).

É importante salientar que a lei excluiu as benfeitorias do preço da venda, o que deve ser observado também nos condomínios edilícios, em que o terreno é dividido em frações ideais.

Outro fato que merece atenção é a falta de aplicabilidade imediata da disposição ora comentada. O ocupante terá que aguardar a edição de uma portaria, pelo Ministro de Estado do Planejamento, Orçamento e Gestão (permitida a delegação), com a lista dos imóveis sujeitos à alienação nos termos da lei, ou seja, de nada adianta ele provocar o órgão que administra os bens da União (SPU).

Os imóveis cadastrados sob o regime de aforamento também ficam sujeitos a todas disposições acima comentadas, com a diferença de que sua alienação segue o rito da enfiteuse administrativa e com a “novidade” de que ficou autorizada a remição do foro (o que antes dependia de ato discricionário da Administração Pública). Em outras palavras, o foreiro do imóvel poderá adquirir o domínio direto da União, mediante o pagamento a ela de 17% do valor do domínio pleno do terreno, consolidando-se, assim, o domínio pleno e, por conseguinte, a propriedade particular/alodial.

Ainda há muito o que ser debatido em relação à nova lei.

Rodrigo Marcos Antonio Rodrigues é advogado, pós-graduado em Direito Notarial e Registral Imobiliário, autor do livro Curso de Terrenos de Marinha e seus Acrescidos, cuja segunda edição revisada e atualizada será publicada neste ano pela Editora Pillares.

Um Comentário

  • Ana Maria F. Couto disse:

    1 – Os direitos de fó valem apos redos ou squerimento a SPU?
    2 – Tenho o direito de ser foreiro pois tenho escritura registrada com data de 1927, mas não sabia desse dieito e hoje estou com um débito altíssimo perante ao SPU.
    3 – a redução da taxa de 5 para 2% pode ser retroativa e alcançar os débitos existentes?

    agradeço retorno
    Grata
    Ana

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